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Vácuo na fiscalização do transporte pode levar a novo apagão nas estradas

Publicado em 22/05/2023

Atualmente, mais de 60% das cargas embarcadas no Brasil são transportadas pelo modal rodoviário, de acordo com a CNT, o que representa uma movimentação de aproximadamente R$ 365 bilhões por ano em pagamentos de fretes

Por Luis Felipe Dick *

Vácuo na fiscalização do transporte pode levar a novo apagão nas estradas
O principal meio para a formalização deste mercado é o Pagamento Eletrônico de Frete (Foto: Shutterstock)

O Brasil conta hoje com 945 mil caminhoneiros autônomos e grande parte deles pode estar atuando de forma ilegal, sem que o governo tenha, neste momento, um meio eficaz de fiscalização e proteção a essa categoria. Tal situação pode levar a um novo apagão nas estradas, nos moldes do que vimos em 2018, com desabastecimento nas cidades e caos pelo país. Infelizmente, essa não é uma previsão exagerada e vamos demonstrar por quê.

Atualmente, mais de 60% das cargas embarcadas no Brasil são transportadas pelo modal rodoviário, de acordo com a Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Isso representa uma movimentação de aproximadamente R$ 365 bilhões por ano em pagamentos de fretes, conforme estimativas de empresas que atuam no setor.

Uma parcela significativa dessas mercadorias é transportada por motoristas autônomos, e muitos deles ainda recebem seus pagamentos por meio de carta-frete — uma prática de seis décadas, mas proibida por lei há mais de 15 anos.

A carta-frete funciona de modo altamente precário e predador: um pedaço de papel sem nenhum valor legal, emitido por empresas que sonegam R$ 12 bilhões por ano em impostos, de acordo com a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA).

Mas o maior prejudicado é o elo mais fraco nessa cadeia, o próprio motorista autônomo, que não tem seus direitos trabalhistas respeitados e fica sujeito a receber valores menores que o piso mínimo do frete e a cumprir prazos apertados, com cargas acima do limite permitido.

Além disso, com este tipo de vale ilegal, o carreteiro é obrigado a abastecer em postos “parceiros” dos seus contratantes, que cobram mais caro pelo combustível e ainda exigem que sejam consumidos produtos em suas lojas – também mais caros, obviamente. Ao final, o motorista recebe como troco apenas metade do valor estipulado na carta-frete.

Mas por que essa situação absurda e tão abusiva ainda é largamente praticada no Brasil? Por que tantos motoristas autônomos se sujeitam a essa exploração? E por que o governo não consegue coibir essa ilegalidade?

O principal meio para a formalização deste mercado já é determinado por lei e amplamente conhecido e adotado por centenas de empresas e milhares de motoristas autônomos: o Pagamento Eletrônico de Frete (PEF).

A Lei 11.442/2007 determina que o pagamento do frete ao Transportador Autônomo de Cargas (TAC) deve ser efetuado por meio de crédito em conta mantida em instituição integrante do sistema financeiro nacional ou por outro meio de pagamento regulamentado pela ANTT. E a Resolução 5.862/2019, da mesma agência, estabeleceu que estes valores podem ser pagos por uma Instituição de Pagamento Eletrônico de Frete (IPEF), também habilitada pela ANTT.

Hoje, grande parte dos motoristas autônomos já recebe seus pagamentos por meio eletrônico, o que traz diversas vantagens, como a segurança na transação financeira e a garantia de ser remunerado de acordo com a tabela de piso mínimo de frete, entre outros benefícios.

No entanto, uma recente mudança regulatória coloca esse sistema em risco. No final do ano passado, a ANTT publicou a Resolução 6005/22, permitindo que o pagamento eletrônico de frete seja efetuado por qualquer instituição financeira autorizada pelo Banco Central, que passa a ser o único responsável por habilitar essas organizações.

Isso significa que os pagamentos eletrônicos de fretes não são mais regulados pela agência de transportes e sim pela autoridade monetária. Ocorre que o Banco Central não dispõe de estrutura nem de competência para fiscalizar este sistema nas estradas. Isso gera uma situação inusitada e perigosa: milhares de motoristas autônomos se encontram ainda mais desprotegidos neste momento, pois não há como garantir que os pagamentos de fretes sejam feitos por instituições autorizadas.

Vale ressaltar, porém, que a ANTT continua fiscalizando outras normas do transporte de cargas, como o Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) e o Vale-Pedágio Obrigatório (VPO). O não cumprimento destas regras gera multas que podem ir de R$ 550 a R$ 10,5 mil.

Estas são as mesmas penalidades prescritas pela ANTT para empresas que não fazem o Pagamento Eletrônico de Fretes (PEF). No entanto, a agência deixou de controlar essas transações.

Por esta razão, entidades como a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) e a Associação dos Administradores de Meios de Pagamento de Eletrônico de Frete (Ampef) estão solicitando que a ANTT volte a ser responsável pela fiscalização do pagamento eletrônico de frete, pelo seu histórico nessa área e por esta a única forma de combater a informalidade nas estradas.

A fiscalização do pagamento eletrônico do frete é ainda mais importante neste momento em que o governo se prepara para implantar o Documento Eletrônico de Transporte (DT-e), criado pela Lei 14.206/21. A intenção é reunir em um único documento todas as informações sobre licenças, registros, condições contratuais, sanitárias, de segurança, ambientais, comerciais e de pagamento, incluindo o valor do frete e dos seguros contratados.

A implantação e operação do DT-e ficarão a cargo da Infra S.A., nova empresa pública criada pelo governo federal, no ano passado, e que será responsável pelo planejamento e estruturação de projetos de engenharia e inovação no setor de transportes. Portanto, a Infra S.A. também pode assumir a fiscalização do Pagamento Eletrônico de Frete.

Afinal, esse grande esforço governamental em torno do DT-e tem como objetivo maior organizar um mercado vital para o país, o Transporte Rodoviário de Cargas (TRC), em que parte das empresas ainda atua na ilegalidade, explorando motoristas com práticas abusivas.

Não podemos correr o risco de um novo apagão nas estradas, com protestos de carreteiros remunerados abaixo do piso mínimo da categoria. Para que isso não volte a ocorrer, precisamos garantir a aplicação da lei que instituiu o Pagamento Eletrônico de Fretes para todos os motoristas autônomos. E a formalização deste setor só será possível com a atuação de agentes de estado que conheçam a realidade do Transporte Rodoviário de Cargas.


* Luis Felipe Dick é CEO da Roadcard e Presidente do Telerisco S.A.

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